25 novembro, 2006

Reunião com o vice-ministro

Sujeito carismático, muito bem articulado, obeso como a maioria dos de classe média e alta de angola, mas elegante.
Tentávamos convencê-lo de que o projeto era imprescindível para salvar a população de Angola. Ele não estava confortável porque ninguém o procurou ou o consultou na primeira missão brasileira que ocorreu em maio de 2006. Sanitarista de esquerda, sabe o que quer e tem o entendentimento técnico e político sobre as necessidades sanitárias da nação.
Cabia a nós mostrar o potencial político do projeto e o impacto na taxa de mortalidade infantil e materna entre outros indicadores.
Depois de algumas colocações tensas, ele me olhando firmemente perguntou: “ Você não se lembra de mim? “
Eu disse , muito sem graça, que não. Ele sabia que eu não me lembrara e completou: “Você me recepcionou no InCor numa visita de referência em 2001. Na época achei interessante o fato de você ser o único descendente negro com destaque em cargo de gestão. Eu nunca me esqueceria da maneira cordial e profissional que me atendeu.”
Fiquei pasmo e eu nunca me dera conta sobre a relação que ele elaborou, que é muito certeira.
Eu recebia dezena de gestores de unidade que queriam conhecer o InCor e realmente não me lembrava dele.
Eu me desculpei pelo lapso e a partir daí o clima se amenizou e ele confessou sua admiração pelo projeto.
Combinamos uma apresentação mais formal para o dia seguinte e ele abraçou a causa conosco.
O Programa de Saúde da Família é a melhor saída para a catastrófica situação que se encontra a saúde dos angolanos, mas agora só podemos começar com a implantação da equipe de agentes comunitários.
Imaginem que há poucos hospitais e quase nenhum médico. As auxiliares de enfermagem é quem diagnosticam e prescrevem o tratamento na maioria dos casos.
Há hospitais com 120 leitos infantis com crianças desnutridas, largadas no chão imundo e sem a menor condição de recuperação.
Mães obesas chegam com crianças caquéticas nas unidades de saúde e a rede não sabe o que fazer para resolver.
Os poucos médicos que atuam estão na capital em sua maioria. Eles não querem trabalhar no interior, alegando falta de condição mínima de viver nas cidades e aldeias e pelas péssimas condições de trabalho.
Esse é um dos motivos do êxodo da população das províncias para a capital. A guerra e as péssimas condições de vida os empurraram para o grande centro na esperança de sobrevivência.
Amanhã tem mais quero registrar tudo isso para que eu possa me lembrar no futuro. Mas há cenas que nunca vou esquecer, a sujeira e as poças de esgoto a céu aberto no meio das ruas servem local de brincadeira para as crianças. Elas são iguais em qualquer lugar do mundo, elas se divertem, brincam, mesmo em situações de perigo. Perigo que elas nem sonham estar expostas, como a cólera e a leptospirose.
Os adultos responsáveis assistem a tudo isso sem reagir.
Há barracos onde moram os pobres e há as casas velhas com preço de 1 a 2 milhões de dólares onde moram alguns os funcionários públicos de destaque e amigos dos que têm poder.
Aluguel de casas simples chegama 6 mil dólares.
Os carrões dirigidos pelos angolanos que se deram bem no pós guerra são mais imponentes do que vemos no Brasil. São de impressionar, tipo mini-vans, enormes e luxuosos estacionados frente às suas paupérrimas casas, espirrando ao passar velozes o esgoto mortal e fétido nas crianças que riem sem saber do risco que correm.