06 dezembro, 2006

A FAVELA INVADE A PRAIA



A foto do satélite mostra o hotel onde ficamos, totalmente rodeado por habitações simples e aglomeradas. O hotel foi escolhido por ser o único com banda larga no quarto, o que me proporcionou criar e publicar esse blog nas noites silenciosas. O silêncio da noite só era quebrado pelos estrondos de containers sendo descarregados no porto atrás do hotel.
Na porta do hotel em rua de terra, há uma cesta de basquete que a moçada das redondezas praticam o basquete de rua. O futebol é também muito praticado, vimos em vários campos improvisados, jovens disputando peladas o que me lembrou com saudades a minha infância. Hoje não há muito espaço para isso nas grandes cidades e os garotos estão com brincadeiras mais modernas.
Comentamos com os Angolanos que torcemos para Angola na última copa do mundo. Os Brasileiros ultimamente acabam se simpatizando e torcendo por um time da África, lembrei-me de Camarões, Marrocos...
A foto mostra ainda a favela que invadiu a areia da praia e vê-se várias manchas escuras, que imagino sejam onde fazem fogueiras a noite.
Faz uma semana que cheguei ao Brasil e as fortes imagens continuam em minha mente. Achei que isso passaria e eu me lembraria de tudo como quem se lembra de um filme.
Não há como esquecer principalmente das cenas de crianças brincando nas ruas e também pelos quase 80 e-mails comentando o blog.
As lembranças de Angola e reflexões sobre a miséria no mundo de alguma forma mudaram meu jeito de enxergar o Brasil e o desejo de fazer algo para mudar as coisas.
Acho que para não esquecer, acabei colocando a foto das crianças que estão nesse blog como tela de fundo do meu laptop.
Se notarem, parece que há um garoto mais velho que quer organizar a bagunça divertida que as outras crianças fazem. Ele parece que levou a sério a foto como uma possibilidade dela despertar o interesse por eles. Em mim despertou.
Luanda é privilegiada pela natureza, como o Rio de janeiro, Salvador e outras cidades litorâneas brasileiras, mas a ocupação desordenada e falta de infra-estrutura escondem sua beleza, por enquanto.
Acredito que Angola vai se tornar um país forte, eles têm recursos naturais infindáveis, como petróleo, ouro e diamante e tem um povo cheio de orgulho alegre e acolhedor. Um povo castigado pela colonização exploradora de Portugal até 1973, e depois pelas injeções interesseiras de países comunistas se contraponto com desejos predatórios e oportunistas de capitalistas desonestos.
Encerro por hora minhas observações e confesso que gostei de escrever sobre as minhas sensações e a percepção que tive de Angola. Talvez continue escrevendo nesse blog sobre outros assuntos, vamos ver....

01 dezembro, 2006

A vista do forte de Luanda

30 novembro, 2006

Alegria ingênua

De volta ao Brasil

Cheguei ao Brasil com a mala rasgada e um pé de mesa quebrado. Comprei uma mesinha de um artesão que é uma obra de arte. Comprei por impulso, foi num momento que me senti turista por lá. Foi numa feira enorme de artesanato onde o assédio é quase insuportável e as negociações em quanza e dólar fazem o preço cair até 90 % para o turista insistente.
Os órgãos públicos são cheios de gente, gente ocupada e muita gente desocupada. Nas atividades privadas não é muito diferente, vimos pedreiros e pintores se acotovelando aos montes nas obras. A necessidade constante de reduzir mão-de-obra que vivemos no mundo em geral, não se vê em Angola. Influência do comunismo já moribundo? Estratégia para diminuir o desemprego? Baixa produtividade do trabalhador angolano? Baixos salários? Não sei.
As pessoas não têm direito a propriedade, não podem adquirir um imóvel. Eles compram o direito de uso por até 60 anos. Isso explica os casos em que pessoas de classe média alta moram em casebres e dirigem carros de aqui custam R$ 140.000,00. Eles empregam o excedente do que ganham em carrões. Há quem critique a ostentação contrastante e humilhante para o povo que nada tem, mas os defensores da liberdade justificam sua necessidade da posse por uns momentos de conforto diante das mazelas que se submeteram nesses últimos anos.

Ilha de Mussulo


Hoje nos levaram para visitar a Ilha de Mussulo.
Ao sul de Luanda, encontra-se a “ilha” do Mussulo, na realidade uma restinga envolvida por uma série de pequenas ilhas. No lado continental, de águas calmas, ideais para a prática de desportos náuticos, existem complexos turísticos e uma enorme quantidade de coqueiros. No lado oceânico, com o mar de águas limpas mas mais agitado, existem praias de areia branca e quase desertas, habitadas apenas por pescadores nativos.
Fomos de lancha, comemos lagosta e tomamos vinhos dos melhores. Milionárias casas de veraneio e clubes finos, limpeza de um resort europeu, que contraste!
Mais dois dias e voltaremos para o Brasil, vamos entregar o pré-projeto amanhã cheios de esperança de que ele será implantado a partir de janeiro.
O povo Angolano merece viver com dignidade.

26 novembro, 2006

Esgoto nas ruas


A juventude angolana é diversão constante.
Andam em grupos, falando alto. Alegres, como se o desafio imposto pela crise precisasse de um sorriso nos lábios e um sentimento de otimismo. Eles têm uma grande energia.
Os mais velhos não têm o mesmo semblante. A consciência sobre a dimensão da crise lhes traz dor e a falta de esperança. É o que me parece.
É muito difícil mesmo ter esperança com o que vi hoje. Há bairros que não há coleta de lixo e eles vivem literalmente no meio do lixo. Como não há nenhum programa de reciclagem, vê-se latas de alumínio e garrafas por todo lado.
Hoje me dei conta porque somente algumas casas têm luz elétrica: eles enchem e levam os tambores de gasolina para distribuição nas residências que têm pequenos geradores de energia.
Vimos hoje em alguns bairros há distribuição de água em carros pipa. Um colega supôs que seja nos bairros onde o bacilo da cólera atingiu as reservas d’água.
Aparentemente os governantes estão dispostos a reconstruir a economia e diminuir as diferenças.
As eleições virão finalmente em 2008 depois de 30 anos de falta de democracia. Será que virão mesmo?

25 novembro, 2006

Reunião com o vice-ministro

Sujeito carismático, muito bem articulado, obeso como a maioria dos de classe média e alta de angola, mas elegante.
Tentávamos convencê-lo de que o projeto era imprescindível para salvar a população de Angola. Ele não estava confortável porque ninguém o procurou ou o consultou na primeira missão brasileira que ocorreu em maio de 2006. Sanitarista de esquerda, sabe o que quer e tem o entendentimento técnico e político sobre as necessidades sanitárias da nação.
Cabia a nós mostrar o potencial político do projeto e o impacto na taxa de mortalidade infantil e materna entre outros indicadores.
Depois de algumas colocações tensas, ele me olhando firmemente perguntou: “ Você não se lembra de mim? “
Eu disse , muito sem graça, que não. Ele sabia que eu não me lembrara e completou: “Você me recepcionou no InCor numa visita de referência em 2001. Na época achei interessante o fato de você ser o único descendente negro com destaque em cargo de gestão. Eu nunca me esqueceria da maneira cordial e profissional que me atendeu.”
Fiquei pasmo e eu nunca me dera conta sobre a relação que ele elaborou, que é muito certeira.
Eu recebia dezena de gestores de unidade que queriam conhecer o InCor e realmente não me lembrava dele.
Eu me desculpei pelo lapso e a partir daí o clima se amenizou e ele confessou sua admiração pelo projeto.
Combinamos uma apresentação mais formal para o dia seguinte e ele abraçou a causa conosco.
O Programa de Saúde da Família é a melhor saída para a catastrófica situação que se encontra a saúde dos angolanos, mas agora só podemos começar com a implantação da equipe de agentes comunitários.
Imaginem que há poucos hospitais e quase nenhum médico. As auxiliares de enfermagem é quem diagnosticam e prescrevem o tratamento na maioria dos casos.
Há hospitais com 120 leitos infantis com crianças desnutridas, largadas no chão imundo e sem a menor condição de recuperação.
Mães obesas chegam com crianças caquéticas nas unidades de saúde e a rede não sabe o que fazer para resolver.
Os poucos médicos que atuam estão na capital em sua maioria. Eles não querem trabalhar no interior, alegando falta de condição mínima de viver nas cidades e aldeias e pelas péssimas condições de trabalho.
Esse é um dos motivos do êxodo da população das províncias para a capital. A guerra e as péssimas condições de vida os empurraram para o grande centro na esperança de sobrevivência.
Amanhã tem mais quero registrar tudo isso para que eu possa me lembrar no futuro. Mas há cenas que nunca vou esquecer, a sujeira e as poças de esgoto a céu aberto no meio das ruas servem local de brincadeira para as crianças. Elas são iguais em qualquer lugar do mundo, elas se divertem, brincam, mesmo em situações de perigo. Perigo que elas nem sonham estar expostas, como a cólera e a leptospirose.
Os adultos responsáveis assistem a tudo isso sem reagir.
Há barracos onde moram os pobres e há as casas velhas com preço de 1 a 2 milhões de dólares onde moram alguns os funcionários públicos de destaque e amigos dos que têm poder.
Aluguel de casas simples chegama 6 mil dólares.
Os carrões dirigidos pelos angolanos que se deram bem no pós guerra são mais imponentes do que vemos no Brasil. São de impressionar, tipo mini-vans, enormes e luxuosos estacionados frente às suas paupérrimas casas, espirrando ao passar velozes o esgoto mortal e fétido nas crianças que riem sem saber do risco que correm.

As ruas são cheias de gente


Acho que pela falta de conforto que têm em casa, eles vão para as ruas, ou saem a busca de oportunidades, de comida e de trabalho.
A população é constituída na maioria por jovens e crianças.
Foram 30 anos de guerra e o país parou. Nada se construiu, pelo contrario tudo foi destruído, escolas, estradas, a cultura, os sonhos, as famílias.
As mães novinhas não sabem cuidar de seus bebes pré-maturos e desnutridos, porque não por perto uma mãe, uma tia uma avó para lhes ensinar.
Há 4 anos a guerra/guerrilha acabou e recomeçaram a reconstruir o país. Isso só foi possível depois da morte de um líder sanguinário, quando fizeram um governo de coalizão. O ministro da saúde é de um partido e os dois vice-ministros de outro.
Nosso encontro com o ministro foi logo que chegamos no aeroporto as 19h horário local. Ele fez questão de nos receber e estava ansioso em ver os nossos planos.
Estávamos cansadíssimos e sujos, depois de 24 horas de aventuras entre aeroportos.
O Ministro é um homem calmo com ar de sabedoria, grande habilidade política e não consegue esconder o sentimento de impotência diante do desespero de uma população sem assistência médica adequada.
Eles vivem o problema da mortalidade infantil, desnutrição, diarréia, cólera, desidratação e têm dificuldades de encontrar o caminho para solucionar problemas que o Brasil viveu há mais de um século.
Lixo nas ruas, falta de água potável e esgoto empossando no meio das ruas faz agravar ainda mais.
Luanda é a capital onde quase metade da população do país vive.
O caos urbano, barracos mal construídos e carrões japoneses engarrafados em ruas estreitas.
O ministro nos confessou que trabalha até as 9 da noite todos os dias porque não quer ficar 2h no congestionamento para percorrer os 5km até sua residência.
Ai vou dormir, to cansado, amanhã temos mais uma maratona. São 3:00h.

23 novembro, 2006

Missão de trabalho em Angola. O início.


Já no avião da TAAG (Transportes Aéreos de Angola) percebemos que iríamos enfrentar uma grande aventura.
O vôo marcado para as 23:30h, saiu do Galeão às 6:00h do dia seguinte, com um 747 para 270 passageiros com um bom cafe da manhã e almoço com vinho portugues e de sobremesa água nas nossas cabeças vindos da condensação do ar condicionado.
Os comisário e comissárias mal sabem desse jeito neo-liberal de acolher o cliente. A cena mais parece com a dos ônibus que vão pro interior do nordeste.
Os passageiros metade angolanos e metade brasileiros, pareciam estar acostumados com o esquema...não reclamam...é assim mesmo.
Na alfandega, fila enorme de espera, no aereoporto mal acabado sem forro, vê-se as instalações elétricas e hidráulicas expostas, tipo benvindo ao terceiro mundo....e eu que achava que vivia no terceiro mundo agora não sei mais se essa classificação se aplica ao Brasil e Angola, pois a diferença é muito grande.
As bagagens rolam na esteira, isso mesmo, elas caem e vão se amontoando no chão e é um salve-se quem puder, salvei minha mala com alívio, um colega teve a dele toda arrebentada.
Ao sair do aereoporto, constatei o que já tinha avistado pouco antes de aterrar...ah é assim que se chama o processo de aterrizar.
Vi do alto Luanda a capital de Angola com um acampamento urbano de refugiados. Uma favela, mas uma grande favela, uma favela de 4,5 milhoes de pessoas.
Sem luz elétrica (eles usam lampiões), sem água encanada.
Nas ruas a iluminação pública praticamente não existe e o asfalto é privilégio de algumas avenidas.
Amanhã conto mais. Trabalhei até agora e a nossa agenda é apertadíssima.
beijos atodos 01:45h.